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sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Casal


Amor, para quê te quero se derruba as minhas coisas pelo chão?

        Era uma vez uma senhora idosa que não sabia guardar as coisas no lugar. Ela fazia tudo sem parar e nao tinha tempo para respirar. Sabia, no entanto, que seu velhinho a ajudaria e suas coisas no lugar, colocaria. Notável era que os dois eram cúmplices. Cúmplices de um amor que não levou a vida inteira de ciúmes. Acordavam de manhã e iam caminhar. Eles esperaram muitos anos para formarem um par. Não havia ciúmes explícitos, porque, na verdade, cada um já tinha estado em um canto, sofrendo como aflitos. O egoísmo e o orgulho os encheu, por pouco, a vida inteira. Mas, com o passar do tempo, reaprenderam que amar é como que uma brincadeira.
        Logo depois que se apaixonaram, compraram uma casa que tava mais pra um albergue. Para pagar, tinham que vender pileque. Mas, estavam felizes naquela época dos anos cinquenta. Sua felicidade era tamanha que, até o zelador que disse que não casava com gente estranha, pegou a vizinha do 71, aquela baranga.
       Mas, quando tudo estava em paz, tudo estava tranquilo, veio logo alguém zuar no seu ouvido, dizendo que aquela felicidade toda era ideia de girico. Os anos foram passando... ainda assim, estavam se amando. A casa não tinha teto, não tinha nada. Mas o amor que lhes cabia, era mais movimentado que a noite das garrafadas. Depois que saíram do albergue, compraram um estúdio para pagar em vários anos. Com o trabalho dele, dava apenas para viver como estranhos na casa dos Franciscanos. Ainda bem que a igreja os acolheu, caso contrário estariam no breu.
        Com todos esses anos de vida, ela foi esquecendo tudo e as coisas foi perdendo... Ainda bem que o estúdio à prestação prosperou e conseguiram pagar um tratamento para os dentes que ela foi perdendo. Pelo menos a dentadura, hoje, ele não tem que pendurar como um lembrete, de que ela esqueceria em algum lugar ou então a perderia. Mas, o amor que era sublime superou todas as dificuldades. Depois que, em algum momento da vida, desistiram de ficar juntos, retornaram com todo fulgor e estarem juntos era o triunfo. Como já haviam passado dos 60, cuidavam um do outro com mais carinho e cuidado ainda, mesmo ela esquecendo as coisas, como uma sina.
          Por fim, fizeram uma festa para comemorar 50 anos de casados e na noite de núpcias, conversaram e conversaram... Esse é o amor da Dona Maria e do Seu Pedro. Cada qual com uma pitada de resistência e um punho de amor e respeito, mesmo que um dia já tenham sentido medo. Estão juntos até hoje e se juram amor eterno. Eu, como sou intrusa, perguntei tudo o que podia e até gravações fiz e eles me responderam com muita simpatia. Cada qual está em seu lugar, todas as coisas estão apenas esperando um amor infinito o chamar.